Quando crianças, somos os maiores fãs dos nossos pais. Olhamos para eles com admiração e tudo o que eles dizem é verdade incontestável, afinal, não conhecemos nada deste mundo e os pais detêm o “poder da sapiência”.
Aos poucos, você percebe que seu pai e sua mãe não são perfeitos. É um choque. Descobrir que seu pai não é o melhor jogador de futebol das peladas do trabalho e que sua mãe não é a pessoa que mais entende de matemática do mundo é duro. Você vê que os seus pais já não são tão maiores, fisicamente mesmo. Que, em última instância, já não podem mais te segurar se você quiser ir a algum lugar. Porém, eles ainda nos sustentam e nos momentos de raiva este acaba sendo o único elo que nos une. Os amores são eternos, os prazeres são para ontem, a disposição é infinita. Há que se pesar que se não fosse essa ingenuidade, essa espontaneidade do ato impensado, existiria... o rock, por exemplo? A rebeldia tem faixa etária.
O problema é que nos achamos invencíveis, não há droga que nos derrube, não há idéia da qual não possamos discordar. “Aos 18, o sujeito não sabe dizer um 'boa noite' a uma mulher”, disse o Nelson também. No momento em que você percebe que seus pais não são heróis, começa a achar que você que é. Daí vem essa vontade contida de subjugar os coroas. “A única coisa que eles têm é a grana. O dia em que eu tiver a minha, vou-me embora desta casa!”, afirma o adolescente mala.
Até que este dia chega. E com ele a resignação. Você já não quer mais fugir de casa. Na real, se der para teu salário ajudar nas despesas, você já ficaria satisfeito. Os pais voltam a ser heróis, mas num outro sentido. Percebe-se como eles sempre foram carinhosos, como souberam impor limites de uma maneira legal. Eles têm defeitos, é claro, contudo fizeram o melhor que conseguiram, às vezes um tanto perdidos em meio à tamanha profusão de atitudes e ao ritmo acelerado do filho jovem.
Desse dia em diante, os pais passam a ser amigos. Os melhores. Você liga para pedir um conselho na hora de adquirir o seu primeiro apartamento, quando não sabe como lidar com um conflito no trabalho... ou quando quer apenas matar a saudade do antigo convívio. Você quer vê-los bem, felizes.
Depois, com o tempo, a gente vai se tornando um pouco pais dos nossos pais. Eles já não têm a mesma saúde de antes, precisam de nosso auxílio. Mas eles têm a tal da experiência. Passaram por todas essas fases antes de nós. E nos dirão o que vem pela frente. Ou ao menos tentarão. Como fizeram a vida inteira, abrindo caminho para que os filhos transitassem por uma via mais limpa. Sorte que um dia nos ligamos disso. Maturidade, talvez. Entender aquilo que Sócrates dizia, que a sabedoria começa com o reconhecimento da nossa própria ignorância.
Sempre que venho passar uma temporada na casa de meus pais, percebo como é penoso readaptar-me à vida que outrora levava. Pensei nisso tudo enquanto via minha luminária fritar na minha frente, semana passada...
Acontece que, depois que fui morar fora, meu quarto passou a ficar com “o que sobra” da casa. Conseqüentemente, ele tem a pior iluminação: uma fluorescente compacta que deve ter 1W de potência, porque mal consigo diferenciar uma meia verde de uma azul. Como eu pretendia ler, peguei uma luminária - dessas parecidas com a do logo da Pixar - que, não à toa, depois eu descobriria, estava láá no cantinho da estante. Sem pestanejar, coloquei-a na tomada 220V - voltagem de Pelotas -, deitei em minha cama e retomei meu Hunter Thompson. Narinas entupidas, como sempre, não senti o cheiro de queimado. Porém, duas páginas depois, veio o barulho. Era como se ouvisse um enxame de abelhas atrás da minha cabeça. Virei-me em direção à lâmpada e, quando enxerguei a fumaça, saltei para evitar que chamas surgissem no recinto. A luminária era 110V! Se não me engano, a comprei aqui em Pelotas, em férias anteriores. 110V, porque queria levá-la para Porto Alegre, coisa que nunca fiz.
Meus pais sempre tentaram me dizer - receosos de meterem-se nas decisões de um adolescente rebelde e respeitosos, como sempre foram:
- Meu filho, tu tens certeza que queres fazer Engenharia? É que nós não vemos tu demonstrares interesse em mexer com esses equipamentos elétricos e mecânicos... - ouvi uma vez.
Com 18 anos, eu era uma besta mesmo.
6 comentários:
Nhaaaaai!
Li isso bem no mês do aniversário da minha gordinha, minha mãe-xuxu, vontade que deu de abraça-la. No almoço farei isso!
Ainda bem que a gente cresce e consegue perceber o quanto eles são nos amigos, o quanto sempre foram.
Um upa virtual pra ti ;)
(meu secador de cabelos explodiu na minha cara essa semana, acho que é a revolta dos eletrônicos...)
(... tá, calma, eu ainda conservo minhas sobrancelhas e minha franja, foi uma explosão de leve hehehe)
grande garoto!
cara, muito bonito isso que você escreveu.
eu só tava aqui pensando nas inúmeras formas de relacionamento que existem entre pais e filhos. e das várias influências que essa "parceria" recebe: grana, lugar em que se vive, sexo dos filhos, diferenças de idade, além dos "humores" - tão diferentes como são diferentes as pessoas.
por isso a impressão é de que o texto é autobiográfico, o que me deixou especialmente feliz, porque é bonito reconhecer a grandeza -e, no fim, a humanidade- dos pais da gente.
muito gostoso de se ler.
e outra: por mais interessantes que sejam os textos de terceiros que aparecem aqui, o ouro do treco são as TUAS viagens, meu amigo, ao menos para mim.
grande guri!
abração
só o lance da grana que eu nunca tive. acho que tentei refletir algumas situações que vi por aí.
de resto, sim, sempre um tanto autobiográfico...
Abraços
"“O jovem só pode ser levado a sério quando fica velho”. É, a verdade é que jovem é um bicho chato. Não sabe de coisa nenhuma e, ainda por cima, acha que sabe." = Paul tem sempre razão, nunca mais teime com ele sobre qualquer coisa.
Que bom que tu não seguiu na engenharia mesmo! hehehe
BEIJOS
Prefiro-te engenhoso a engenheiro...
Tua família é a mais "10" do mundo!!
Difícil é ser filha e mãe ao mesmo tempo... Hehehe, como eu não gosto de coisas fáceis... ;)
Bjo Negão, saudades!!
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