segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Últimas minhas

Só mesmo esta inseparável insônia para me fazer voltar aqui. Isto e um ciuminho de ver alguns amigos na sua mini-blogosfera, trocando comentários.

Nos últimas horas, vi o Arnaldo Antunes enfiar uns cartazes com as palavras TABU e TOTEM para dentro da própria roupa.

Nos últimos dias, chorei ao ler Eliane Brum.

Nas últimas semanas, choveu muito. E faltou luz em Satolep. E a mãe contou histórias do passado, no escuro. Do tempo em que se conversava na volta do lampião, em Canguçu.

Nos últimos meses, perdi o convívio de muitos amigos para a distância. Tenho saudade todos os dias. Se este servir para nos manter perto, aqui estou.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Leite Derramado

Mal comecei e já gostei:

"Sirene na rua, telefone, passos, há sempre uma expectativa que me impede de cair no sono. É a mão que me sustém pelos raros cabelos. Até eu topar na porta de um pensamento oco, que me tragará para as profundezas, onde costumo sonhar em preto-e-branco."

Um brinde aos insones!

E viva Chico Buarque, que está melhor a cada livro!


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Das conversas no msn e no ônibus

Antiquado devo ser eu por achar que, mesmo no msn, as pessoas devem ter educação. Dizer bom dia e boa noite, mandar beijo ou abraço, avisar que estão demorando para responder - por conta de uma pizza calabresa que quase se derrama sobre o teclado - e essas bobeiras de um senhor mal acostumado como eu.
Mas admito que se passa por cada situação embaraçosa... O que fazer com aquele amigo que a cada palavra dá enter e em 30 segundos já encheu tua tela e teu saco com perguntas idiotas? Quando isto acontece não vejo muita solução a não ser enfrentar o velho "climão de fim de conversa no ônibus", como bem comparou meu amigo Henrique, esses dias.
Trata-se de cortar o papo e ter de continuar ali, na presença do vivente. No ônibus, você ainda inventa uma desculpa: "Licença, eu tô muito cansado, vou tentar dormir um pouco." Já no msn, não há muitos subterfúgios. Eu digo: "Tenho que ir. Vou jantar." E continuo ali, teclando com todos os que me interessam, postando neste blog, etc. Será que só eu sinto vergonha disso? Ou do climão no bus?
Bom, mas juro que isso é só para os muito chatos, que eu só citaria aqui sob tortura!
Nem tudo tem jeito nessa vida...

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Satolep

Álbum de Pelotas (1922), de Brisolara, primeira inspiração para Satolep.


Depois que descobri que a Yoani Sánchez Cordero (www.desdecuba.com/generaciony) espera horas em uma fila para usar um dos dois únicos cibercafés de Havana, com um pen drive na mão, para postar em seu blog e ser umas das 31 pessoas mais influentes do planeta, acho que não tenho mais desculpa.

Cá estou eu, numa, agora reformada e com ar condicionado, lã rause da Praia do Cassino. [abre janela] Nunca entendi porque que ninguém - um bar, por exemplo - explora essa história de cassino, jogos, roleta etc. por aqui. Será que é proibido usar a temática, mesmo que a casa não ofereça os serviços? Sei lá... Ao invés disso, nesta temporada, a novidade é uma mórbida e desproporcional cruz na entrada do balneário. Deusulivre saber quem que morreu ali! Pelo tamanho daquele sinal de + a receber os visitantes o monstro devia ser grande! [fecha janela]

Dia desses um amigo falou que tudo é contexto. Gostar ou não daquele filme, da música, do lugar. Depende da companhia, do clima, do humor...

Certo é que dezembro - talvez ainda mais para mim, por conta do cumpleaño - é tempo de reflexão, de repensar a vida e entrar no novo ano com espírito renovado. Às páginas negras da Trip, o músico Rodrigo Amarante falou em uma tal de “fase que os astrólogos chamam de retorno de Saturno, quando você tem 27, 28 anos e fica naquela maluquice, não sabe direito o que vai acontecer”. [abre janela] Eu tenho uma ótima história para contar sobre a compra dessa edição da Trip. Mas esta dá um post inteiro... [fecha janela]

Pois quarta passada completei 28 e, em seguida que dei cabo do esplêndido As Intermitências da Morte - sempre o Saramago... - iniciei a leitura de Satolep, do Vitor Ramil. Foram algumas noites tentando sacar a narrativa - acho que voltando de Portugal um pouco também - até chegar a esta última, em que não dormi nada bem, a me emaranhar em meus pensamentos. Embarquei de vez na viagem do Vitor e, desde então, ando por demais inquieto. Satolep é uma viagem para dentro de nós mesmos. A tal busca do personagem principal - e talvez do próprio autor - por suas raízes, ao completar 30 anos, serve de guia para essa nossa viagem.

Não nasci em Pelotas. Assim como Irineu Evangelista de Sousa, vim ao mundo na pequena Arroio Grande, bem mais perto da fronteira com o Uruguay, país de onde partiram os ancestrais da mãe para virem parar em terras mais próximas e permitirem que, numa estação, uma professorinha do interior de Canguçu pudesse conhecer um cobrador de ônibus de São Pedro do Sul, o pai, e então se desse mais um desses encontros tão brasileiros de árvores genealógicas.

A presença negra aqui faz de Satolep a mais brasileira de todas as cidades deste Sul branco”, diz o Cubano, personagem do livro. [abre janela] Ou alguém acha estranho que a capoeira, coisa mais brasileira, tenha se desenvolvido com tanta força na cidade e tenha tomado, inclusive, espaços pertencentes aos cetegês? Que o grupo responsável por ministrar aulas dessa modalidade na maior universidade do País, com núcleos em grandes cidades como Barcelona, Cuzco e Rosario, tenha apenas duas bases no Brasil: São Paulo e Pelotas? [fecha janela]

Sou brasileiro. Nasci em Pelotas, em 1987, aos 6 anos. “Nascer leva tempo”, também disse o Cubano. Depois de oito anos e meio a explorar as ruas da Capital, percebo que sinto ainda mais vontade de aumentar minha intimidade com Satolep. Já assisti aos shows dos irmãos Kleiton & Kledir no Teatro Guarani, nos Salões de Atos da UFRGS e da PUCRS, na casa da minha amiga Juliana, em Pelotas, num festival de música nativista, em Arroio Grande, na Feira do Livro do Cassino, no Planeta Atlântida e em tantos outros lugares e tantas vezes que não saberia recordar. Ainda assim, me emocionei ao vê-los tocar num palco montado ao lado da praça Cel. Pedro Osório, eu no meio da rua, em frente ao Teatro Sete de Abril. Ali se juntaram novamente os Almôndegas - alguns deles moradores da cidade -, e também o Vitor. O cenário, agora com a maioria dos prédios restaurados e com a praça iluminada para o Natal, não podia ser mais apropriado. Me senti em casa como há muito não me sentia em Satolep. Os habitantes ocupando seu principal local de convivência como eu nunca vira.

O olhar estrangeiro, de quem não mora nem conseguiria mais morar nessa cidade, é como um par de lentes, que adquiri em minhas andanças por portos mais ou menos alegres que esse. Com ele, enxergo melhor as virtudes e, claro, os defeitos de Satolep - estes que tanto comentamos em rodas de chimarrão, mesas de bar e nas conversas dentro dos veículos que nos levam e trazem de lá e sobre os quais não sinto vontade de falar agora.


PS: Satolep é da Cosac Naify, viu, Paul?

sábado, 13 de dezembro de 2008

Nostalgia

Ainda me emociono toda vez que escuto isto. Bonito demais.

A lista

Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...

Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...

Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria
Quantos amigos você jogou fora?

Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber?

Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?

Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver?
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você?

Por Oswaldo Montenegro

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Meio do mundo

Palafitas às margens do rio Amazonas


Pôr-do-sol e aningal no rio Amazonas


Pé direito no hemisfério norte, esquerdo no sul


À margem do Amazonas




sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

" "

"Não me inspiro nas citações; valho-me delas para corroborar o que digo e que não sei tão bem expressar, ou por insuficiência da língua ou por fraqueza do intelecto. Não me preocupo com a quantidade e sim com a qualidade das citações. Se houvesse desejado que fossem avaliadas pela quantidade teria podido reunir o dobro."

Michel de Montaigne


*postado do meio do mundo - Macapá/AP

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Que reine o caos... Aumentem a música, mais vinho...

É uma coisa preciosa mesmo o tempo. Agora que está sobrando um pouco, consigo sentir o prazer de ler meus amigos, por exemplo.

"É tão lindo o deslumbre, por mais que seja anti-acadêmico/científico, como certamente afirmaria um professor meu, mas por que não se deslumbrar? Com o belo e o maldito, com toda forma (re)inventada, (re) criada, com tudo que seja imprevisível e que dê um tapa na cara (ou um chute na bunda) no velho conservadorismo acadêmico e nos que que adoram uma forma fechada (não, não é uma exaltação pós-moderna, muito pelo contrário). O toque niilista é só a cereja maldita do bolo."

Este é apenas um trecho do belo post da Eliane - essa moça que assina o blog com um código de barras enigmático - sobre o caos e afins.


segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Falta

Sem um par de lentes sinto-me ébrio
Sem cerveja, amorfo
Sem música sinto-me desvanecido
Sem amor, errante.




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sábado, 1 de novembro de 2008

Da série "Em blogs você deve usar textos curtos"

Fui apresentado a João Antônio, recentemente, nas aulas do professor Antonio Hohlfeldt. O recém-conhecido autor do texto abaixo foi jornalista e escritor - e entre imprensa e literatura e o emaranhado que esses dois podem fazer para confundir os adeptos da rotulagem se fez -, nasceu em 1937, morreu em 1996 e produziu suas melhores obras nas décadas de 60 e 70. Um dos representantes brasileiros do New Journalism, João Antônio foi grandão no jornalismo, mas dizem que era bom mesmo é na sinuca. Vale a pena aí abaixo.
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"CORPO A CORPO COM A VIDA
João Antônio

A maioria dos depoimentos que tenho lido me parecem testemunhos de uma época em que quase todos estão preocupados com o acessório, o complementar, o supérfluo, ficando esquecidos o fundamental, o essencial. Assim, grande parte dos escritores que depõem hoje sustenta preocupação vinculada à forma, sob a denominação de um “ismo” qualquer. Lamentável ou incrível. As posições beletristas não mudaram entre nós, sequer um milímetro, nos últimos quinze anos.

Mas é de uma simplicidade alarmante. O distanciamento absurdo do escritor de certas faixas da sida deste país só se explica pela sua colocação absurda perante a própria vida. Nossa severa obediência às modas e aos “ismos”, a gula pelo texto brilhoso, pelos efeitos de estilo, pelo salamaleque e flosô espiritual, ainda vai muito acesa. Tudo isso se denuncia como o resultado de uma cultura precariamente importada e pior ainda absorvida, aproveitada, adaptada. Como na vida, o escritor brasileiro vai tendo um comportamento típico da classe média – gasta mais do que consome, consome mais do que assimila, assimila menos do que necessita. Finalmente, um comportamento predatório em todos os sentidos.

O de que carecemos, em essência, é o levantamento de realidades brasileiras, vistas de dentro para fora. Necessidade de que assumamos o compromisso com o fato de escrever sem nos distanciarmos do povo e da terra. O que é diferente de publicar livros, e muito. Daí saltarem dois flagrantes vergonhosos – o nosso distanciamento de uma literatura que reflita a vida brasileira, o futebol, a umbanda, a vida operária e fabril, o êxodo rural, a habitação, a saúde, a vida policial, aquela faixa toda a que talvez se possa chamar radiografias brasileiras. E é devido a tal carência que, de um lado, não temos conteúdo, e de outro, nem temos forma brasileira. Pois que, a forma, resulta de uma posição intelectualizada e fornece uma falsa estética, importada, empostada, mal adquirida, sujeita a todas as ondas e sempre mal digerida.

Tudo isso não deveria. Afinal, a literatura brasileira que ficou ave uma seiva, antes de qualquer outra qualidade. Um compromisso com a coisa brasileira sem retoques, imposturas e embelecos mentais. A que ficou e que pode servir de exemplo foi sempre produzida por uma atitude de caráter, de análise crítica e crítica realista, de novas propostas, de atitudes modificadoras e renovadoras, de denúncia, revelação e participação. Os escritores que ficaram, entre nós, firmaram um compromisso sério com o fato social, com o povo e a terra – Lima Barreto, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Oswald de Andrade, Manuel Antonio de Almeida lá atrás.

Compreenderam uma verdade fundamental e descobriram a chave. Não é possível produzir uma literatura de heróis taludos ou de grandiosidade imponente, nem horizontal, nem vertical, na vida de um país cujo homem está, por exemplo, comendo rapadura e mandioca em beira de estradas e esperando carona em algum pau-de-arara para o Sul, já que deve e precisa sobreviver. Logo, tais grandezas quiquiriquis, salve-salves e loas apologéticas tropeçam nas próprias pernas. E têm pernas curtas como a mentira.

Há uma boa tendência (Antônio Torres, Ignácio de Loyola, Wander Piroli, Oswaldo França Júnior e outros, poucos outros) na qual o universal cabe dentro do particular, e se procura descobrir, surpreender, flagrar, compreender a nossa vida brasileira com suas contradições e sofrimentos, imprevisões, improvisações, malemolências e descaídas, jogo de cintura ou perna entrevada. Enfim, luso-afro-tupiniquim e deslumbrada, paupérrima e metida a sofisticada, molambenta ou faminta e querendo tomar importâncias altas e ares civilizados.

Seria muito necessária a humildade e a dignidade de olhar à nossa volta e compreender, enxergar finalmente que somos já um povo. Encarar, respeitar, conhecer isso e erguer uma literatura à sombra disso, de, sobre e para esses fatos. Direi que sempre, por favor, a hora é de reler (ou ler pela primeira vez...) os escritores que brigaram e se consumiram nessa briga, homens que não aceitaram a literatura como um pó de vaidade, um ilustre, involuntário, cósmico bem divino e inútil. Que desemboca numa produção para a indiferença e o escárnio dos leitores. Assim, a literatura não pode ser apenas mola para se ganhar prêmios, empregos, facilitações imediatas e lances pragmáticos. Sendo um compromisso de caráter com a vida, o povo e a terra, ela já teve, entre nós uma frente de luta, questionamento, discussão, apelo, denúncia, busca de uma verdade brasileira. Oswald, Lima, Graciliano, José Lins do Rego, Manuel Antônio de Almeida se recusaram a produzir para a gloriazinha, a vaidade e o riso inconseqüente de uma sociedade.

Os formalismos e modas em geral não têm nada a ver com o recado visceral de uma literatura realmente brasileira. E mais. Desde Cervantes, Dostoievsky, Stendhal, Balazac, Zola, o universal sempre coube no particular pela captação e exposição da luta do homem e não de suas piruetas, cambalhotas, firulas e filigranas mentais. Que me desculpem os “ismos”, mas no caso brasileiro, eles não passam de preguiça, equívoco e desvio da verdadeira atenção. E função.

Precisamos de uma literatura? Precisamos. Mas de uma arte literária, como de um teatro, de um cinema, de um jornalismo que firam, penetrem, compreendam, exponham, descarnem as nossas áreas de vida. Não será o futebol o nosso maior traço de cultura, o mais nacional e o mais internacional; tão importante quanto o couro brasileiro ou o café of Brazil? A umbanda não será a nossa mais eloqüente religião, tropical e desconcertante, luso-agro-tupiniquim por excelência, maldita e ingênua, malemolente e terrível, que gosta de sangue e gosta de flores? A desconhecida vida de nossas favelas, local onde mais se canta e onde mais existe um espírito comunitário; a inédita vida industrial; os nossos subúrbios escondendo quase sempre setenta e cinco por cento de nossas populações urbanas; os nossos interiores – os nossos intestinos, enfim, onde estão em nossa literatura? Em seus lugares não estarão colocados os realismos fantásticos, as semiologias translúcidas, os hipermodelismos pansexuais, os supra-realismos hermenêuticos, os lambuzados estruturalismos processuais? Enquanto isso, os aspectos da vida brasileira estão aí, inéditos, não tocados, deixados pra lá, adiados eternamente e aguardando os comunicadores, artistas e intérpretes.

O caminho é claro e, também por isso, difícil – sem grandes mistérios e escolas. Um corpo-a-corpo com a vida brasileira. Uma literatura que se rale nos fatos e não que rele neles. Nisso, a sua principal missão – ser a estratificação da vida de um povo e participar da melhoria e da modificação desse povo. Corpo-a-corpo. A briga é essa. Ou nenhuma.

Já o como fazer essa literatura me parece implicar, enquanto se pretenda retratar o mundo que nos cerca, na necessidade do invento ou desdobramento de uma nova ótica, nova postura diante dos acontecimentos. Trocando em miúdos: um sujeito pensante não poderia mais, pelo menos conscientemente, ver, sentir e retransmitir um crime do Esquadrão da Morte, por exemplo, pela óptica costumeira ou por alguma das óticas tradicionais. Mas sim, tentaria no fundo enxergar e transmitir um problema velho, visto com olhos novos. Novos, mais sérios, mais atraídos, sensíveis, fecundos, rasgados, num corpo-a-corpo com a vida. Jamais como um observador não participante do espetáculo.

Digamos, um bandido falando de bandidos. Corpo-a-corpo com a vida, posse e gozo juntos, juntinhos, chupão, safanão, gemido. A verdade é que muito de repente, surge um novo – ou vários novos – gênero na literatura americana. Como alguém definiria hoje A Sangue Frio? Romance? Reportagem? Como alguém definiria Truman Capote? Mas Truman Capote talvez seja pouco. Como definir, por exemplo, Norman Mailer? É o mesmo indivíduo-tipo-espécie artística o homem que escreveu O Sonho Americano, que descreveu a convenção de Chicago, que contou a história de um tiro na lua?

Quem diz literatura americana, tem de observar que o aspecto também é italiano ou alemão. E, nessas nacionalidades, jornalismo e literatura andam se misturando na proporção do despropósito. Ou do despropósito completo, se quiserem. Não me negue ninguém que uma matéria sobre o bebê proveta, por exemplo, feita pelo Der Spiegel não seja mm misto de ensaio cientifico, com jornalismo e certa dose ficcional. Quem fala em bebê proveta, fala também da morte, etc. Não é possível omitir a contribuição de Vasco Pratolini, há mais de dez anos, fazendo conto-reportagem para as revistas italianas. Nem é preciso falar no Hemingway jornalista. Parece-me que algumas obras de Horace McCoy, vamos dizer Mas Não se Mata Cavalo? e, vamos dizer, principalmente, sua obra em decorrência de sua vida – em cinco anos, na costa da Califórnia, teve estas ocupações: juiz de concursos de dança, pugilista substituto, colhedor de frutas, garçom, guarda-costas de um chefe político.

Será que esses desdobramentos, essas indefinições apriorísticas, não traduzem, finalmente, a necessidade de se travar um corpo-a-corpo com a realidade, como única maneira de descrever – ou mesmo sublimar, ou mesmo recriar, ou, enfim, criar – qualquer coisa que seja realidade? Por que, subitamente, o mesmo Norman Mailer que conta como matou a mulher e como fugiu da policia em O Sonho Americano é o mesmo Norman Mailer (indivíduo) que esfaqueou a mulher, que se marginalizou, que tapeou a opinião pública, de tanto se encher o saco com as tapeações impingidas pelos manipuladores da opinião pública? Esse cara não é um gangster infiltração no gangsterismo do estabelecimento? Desafiando-o e vendendo-lhe?

Corpo-a-corpo com a vida. Um bandido falando de bandidos.

Estrepem-se os Umberto Ecco da obra aberta. Mas admita-se, finalmente, que existe, ao menos, obra atual, a obra de hoje ou, muito mais precisamente, a obra-hoje: aquilo que se faz que é livro ou, simplesmente, que dá assunto. Será que, de uma hora pra outra, os indivíduos não se estarão debatendo não mais para contar o assento mas para fazer ou fazer-se assunto? E não será essa a única opção não-repetitiva, não-coagida pelo chamado estabelecimento?

Ainda uma vez, ainda um desdobramento: não estará faltando – como falta e, como às vezes, aparece – em todas as épocas críticas o repórter-marginal (melhormente para sua sobrevivência, o repórter-gangster), o romancista-bandido, o sambista ainda mais?

Não será absolutamente necessário, para compreender – uma palavra superada; leia-se, por favor, enfrentar – o marginalismo individual dos que se debatem no futebol ou na policia, alguém que assuma o mesmo gangsterismo, um semelhante (mas com visão crítica) individualismo? Um gangsterismo, um individualismo, um individualismo ao menos experimental. Que, ao escrever, dê a mesma porrada, como repórter, escritor, etc., que o bandido, o jogador, o traficante, o bicheiro e, especialmente e isso tudo – herói – dão para sobreviver. Assim, uma literatura de murro e porrada. Um corpo-a-corpo com a vida.

Entenda-se herói, no sentido grego, de homem que marca o momento de sua morte, qualidade igualmente fundamental do bandido aqui em questão.

Daí, subitamente, até como citação e até como epígrafe, o novo gênero (ou seu plural) só trataria o futebol, o jogador, o repórter, o esporte, a policia, a habitação, a saúde, o bordel, tal qual ele o é. Assim: de bandido para bandido.

A verdade é que esse tipo de produção escrita, de aparência apenas experimental, já chegou a produto acabados e comestíveis; são bons e podem ser consumidos imediatamente pelo leitor de nossos dias. Exemplos? A Sangue Frio (Truman Capote), Um Tiro na Lua (Norman Mailer), Miami e o Cerco de Chicago (Mailer).

De Mailer: “Os escritores profissionais não se enraivecem, eles se vingam”.

Bem. Aqui estou eu com a máquina, com a minha catimba, com a minha afetada má-vontade. Do lado de lá, estão Pelé, Almir, Garrincha, Paulo César, Rivelino, Zagalo com o tipo de máquina deles: o chute e mais a catimba e a má-vontade. Não será experimentalmente, um grande tratamento, uma grande briga? Por exemplo, o escritor versus o personagem. O escritor versus a literatura. O escritor versus o herói. E os dois descarnando-se e enfrentando-se. Nada de compreendendo-se. A briga, o enfarruscamento, o embucetamento, o conflito, o corpo-a-corpo durará até ver quem sobra, o que sobra de cada lado.

Digamos, do escritor experimentalmente gangster, bandido, do jogador obrigadamente gangster, bandido.

Do ponto de vista da forma essa nova linha de idéias favorece e até obriga o surgimento de um novo processo. Desaparece a forma apriorística, que passa a ser determinada pelo próprio tema. O escritor não pode partir com uma forma pronta. Ela será dada, exigida, imposta pelo próprio tema e com esse elemento de certa novidade, é possível admitir também que cada novo tema tratado jamais deixará de surpreender o escritor. O tema passa a flagrar o desconhecimento do escritor, uma vez que o intérprete aceita um corpo-a-corpo a ser travado com a coisa a ser interpretada.

Uma vez que a proposta revoluciona o conceito de gênero, também fere e desfalca (ou enriquece) o conceito de forma.

Um professor de teoria literária e literatura comparada, Antônio Cândido de Mello e Souza, já denunciou que “as formas tradicionais da literatura foram postas em dúvida desde o Modernismo, e talvez as formas novas ainda não tenham alcançado uma plenitude equivalente à delas”. E, mais adiante: “Esta crise nos gêneros favorece no escritor o gosto de uma liberdade desejada mas incômoda, pois, não havendo a escora dos gêneros literários fixos, torna-se necessário descobrir até certo ponto o próprio enquadramento. O movimento de 22 instaurou a liberdade na criação literária e originou algo que só agora estamos sentindo plenamente: o escritor está entregue à própria liberdade. Daí, não apenas a possibilidade, mas a necessidade da experimentação”.

Felizmente foi Antônio Cândido quem escreveu essas palavras e não eu. Um mestre me poupou trabalho, livrando-me a cara. Sempre direi que, apesar dos tropeções, sou um sujeito de sorte.

Já li várias vezes e, até em livro, que Malagueta, Perus e Bacanaço é considerado um clássico da literatura, um “clássico velhaco”, como a ele se referia em vida Marques Rebelo. Depois de mais de dez anos de seu lançamento, os contos do livro ficam de pé. Ainda. Traduzidos, freqüentando antologias, flertados pelo cinema e pela tevê. E mais a coisarada folclórica toda que hoje em meu nome corre.

Bem. O elemento que mais me leva a acreditar em Malagueta, Perus e Bacanaço como coisa viva se arruma exatamente no fato de que vi meus jogadores de sinuca, viradores, vadios, vagabundos, merdunchos do ponto de vista deles mesmos. E não do escritor.

No meu caso particular, até por questões de vida, não poderia enfrentá-los sob nenhuma outra ótica. Eu vivi a aventura de Malagueta, Perus e Bacanaço um pote de vezes. Um tufo de vezes, um derrame, uma profusão de vezes. Sair da Lapa, cair a Barra Funda, desguiar para o centro da cidade, pegar os lados de Pinheiros, procurando jogo e acabar na Lapa, era a aventura diária de quem estava naquele fogo. Literalmente, me é desagradável analisar os contos. Afinal, sou o autor. E eles que fiquem de pé sozinhos. Posso dizer, no entanto, que a qualidade mais firme daquele meu livro é o ponto de vista. É o enfoque vendo do lado dos bandidos, dos merdunchos. Não do escritor. Aliás, falando claro e sem alarde, o escritor até que atrapalhou, enquanto elemento de ótica. De um jeito ou de outro, o líquido e certo é que Malagueta, Perus e Bacanaço é, talvez, mais sinuca que literatura.

Chego a um novo livro, Malhação do Judas Carioca e me vejo, de certa forma, inda mais mudado.
Literatura, de dentro para fora. Isso é pouco. Realismo crítico. É pouco. Romance-reportagem-depoimento. Ainda pouco. Pode ser tudo isso trançado, misturado, dosado, conluiado, argamassado uma coisa da outra. E será bom. Perto da mosca. A mosca – é quase certo – está no corpo-a-corpo com a vida.

Escrever é sangrar. Sempre, desde a Bíblia. Se não sangra, é escrever?

Em tempo. Esquecer as épocas, as modas, as escolas, as ondas, os “ismos”. Notar: Cervantes, Dostoievski, Balzac. Corpos-a-corpos com a vida e fundamentalmente. O resto foi arremedo. Ou, muita vez, nem isso.

João Antônio, Copacabana, 3 de novembro de 1975."
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segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Da arte II

Talvez Benjamin, Adorno e Horkheimer hoje divergissem no momento de optar entre adquirir ou não um cedê original - ainda acho estranho falar cedê "original", assim como para mim estranho é pedir uma Coca "normal"...

Eu nem lembro deles quando faço essa escolha e me sinto o último dos consumidores desse formato no mundo. As pessoas caçoam.

Porém todo o risco de ser alvo dos dedos indicadores dos outros ao carregar um cedê por aí se justifica, ao menos para mim, porque se pode apreciar a obra em todas as suas matizes.

Comprei o Sou, disco solo do Marcelo Camelo, há dois dias, apesar de 10 das 14 faixas já tocarem no meu iTunes, no meu celular, no meu som há um mês.

Porque a forma é importante.

Porque alguém que manda grafar "nós", com tipo de máquina de escrever, na capa de um disco, e vira de cabeça para baixo para chamar de "sou" quer trasmitir alguma mensagem se valendo da forma.

Porque a ordem em que as canções se nos apresentam define densidade e ritmo.

Porque eu sou adepto de uma atividade que muitos já abandonaram e outros nunca souberam do que se tratava: escutar música. Que é diferente de ter trilha sonora para se fazer algo.

Porque cada instante desse disco merece contemplação. E o artista deixa isso claro quando valoriza todos os segundos de silêncio que ele traz.

Porque alimenta outros sentidos, que não somente a audição.

*Da arte I

sábado, 20 de setembro de 2008

Cenas II

On the Waterfront



Poucas cenas resumem um filme inteiro. Esta é uma.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Cenas I

Before Sunrise - Love




Before Sunrise - Picture




O encanto nem sempre se desvela no primeiro aproximar. Portanto, permita-se.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Snoozer



Maconha, cocaína, álcool, nicotina,
ecstasy, crack, LSD, ayahuasca, heroína,
clorofórmio, ópio, coca-cola, cafeína,
chocolate, haxixe, cogumelo, anfetamina,
lança-perfume, éter, loló, cola, benzina.

Nenhuma dessas.
Nada, nada vicia mais que a opção "soneca" do despertador do celular.

Minha vida tem sido muito difícil depois que me tornei um dependente. Hoje comecei a usar às 06:10 e só consegui parar às 11:20!!!

Pronto, falei. O primeiro passo era admitir a fraqueza. Agora é procurar o Sonecólatras Anônimos...
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domingo, 7 de setembro de 2008

Aturdido

Uma explosão. Foi o que ouvi.

Conforme fui transcendendo a limitada percepção que o sono me impunha, meu entendimento sobre o que estava acontecendo foi mudando.

Um edifício caindo... Caindo sobre o meu só se fosse. As janelas vibravam com ainda mais intensidade que na noite anterior, quando o tal ciclone extratropical quase me deixou sem uma veneziana. Mas os estouros continuavam. Bam! Bam! Bam! (nunca fui muito bom em onomatopéias) E eram sistemáticos. Se fossem prédios, seriam vários no entorno deste. O meu era o próximo??

Eram tiros. Sim, tiros! Partindo de muitas armas ao mesmo tempo. Me senti num morro carioca. Antes que eu conseguisse compreender de onde vinham, os disparos cessaram. Voltei a dormir.

Cerca de nãofaçoamínimaidéiadequantotempo depois, outro estrondo. Os vidros quase trincaram. Meu coração em taquicardia e meu corpo despertaram em questão de centésimos de segundo. Era um avião. A poucos metros de minha frágil janela. Bom, que eu lembre não andei escrevendo nada contra algum fundamentalista... Já pelos meus três vizinhos aqui do prédio não ponho a mão no fogo.

Mas passou. E passaram outros. Meu sono pegou carona num deles e foi dar uma volta pelos céus de Porto Alegre. Ouvi o som dos metais de uma banda marcial. Discursos. Aplausos.

É sempre assim. Todo ano me esqueço que moro a uma quadra do desfile de 7 de setembro.

Independência ou Morte!, de Pedro Américo

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